Skip to main content
search

    O evento anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) é o maior congresso de oncologia do mundo, acontecendo anualmente na cidade de Chicago, Estados Unidos. A ASCO 2024 trouxe novos dados no tratamento do câncer de mama. O Câncer de Mama Brasil acompanhou em tempo real os principais estudos apresentados e traz aqui um resumo.

     

    NATALEE

    No primeiro dia da ASCO, uma nova análise do estudo NATALEE, que foi apresentado neste mesmo evento no ano passado. Lembrando que o Natalee foi um estudo que avaliou o papel do ribociclibe adjuvante associado a hormonioterapia padrão (no caso um inibidor de aromatase) no câncer de mama inicial, hormônio positivo. O NATALEE incluiu pacientes tanto com axila positiva quanto negativa, mas neste caso com fatores de risco como, por exemplo, tumores Grau III ou GII e T2N0, desde que o Ki67 fosse elevado ou assinatura genômica de alto risco), e ainda tumores maiores, T3 N0 ou T4 N0. 

    Na ASCO 2024 foi apresentado dados apenas os dados contendo casos de axila negativa. Foram mais de 600 mulheres cN0 incluídas neste cenário. Consistente com o resultado da população global do estudo, o ribociclibe reduziu  cerca 28% a chance de recorrências invasivas em 3 anos, com 93% de pacientes livres de eventos neste cenário.

    Os autores concluíram que esta análise traz suporte para uso deste inibidor de ciclina na adjuvância, em população de axila negativa de alto risco.

    MARI

    Em geral, as pacientes com axila positiva acabam sendo submetidas a quimioterapia neoadjuvante como primeiro tratamento. O debate reside sobre o papel do tratamento local axilar após a quimioterapia: primeiro, se há necessidade de algum tipo de tratamento adicional, como radioterapia, em caso de linfonodo sentinela negativo e segundo, se a dissecção axilar ainda é necessária quando o linfonodo sentinela apresentar doença residual após quimioterapia. 

    Um estudo prospectivo Holandês, conhecido como MARI, avaliando cerca de 400 pacientes neste cenário foi apresentado na ASCO 2024. Segundo protocolo do MARI, aquelas pacientes sem doença residual no linfonodo sentinela não fariam mais tratamento algum, nem radioterapia, enquanto os casos com doença residual axilar, ou seja linfonodo sentinela positivo, fariam apenas apenas radioterapia, sem dissecção axilar adicional. Metade das pacientes do estudo eram casos de tumores  hormônio positivo e a outra metade superexpressando HER2 ou mesmo Triplo negativos.

    Após 4 anos de seguimento, a recorrência axilar foi muito baixa no grupo de pacientes com linfonodo sentinela negativo  (<1%)  e foi de 3.5% quando o sentinela era positivo e apenas radioterapia era realizada, sem dissecção. A meu ver, baseado nos dados de recorrência axilar que acompanhamos historicamente, 3.5% e um número alto e cautela ainda é necessária enquanto aguardamos resultados de outros estudos para mudar a cirurgia axilar neste cenário.

    Estudo RE-low

    A hormonioterapia adjuvante melhora os desfechos oncológicos em pacientes com tumores hormônio-positivos, incluindo sobrevida global. Isso não se discute. A controvérsia existe sobre o benefício da terapia endócrina em casos com baixa expressão dos receptores (entre 1 até 10%) o chamado RE-low. 

    Foi apresentado na ASCO 2024, utilizando um banco de dados americano (NCDB), um estudo com cerca de 8 mil pacientes apresentando tumores hormônio positivos, RE-low, de estadiamento clínico I-III, submetidas a quimioterapia neoadjuvante ou adjuvante, portanto aquelas que possuem um perfil de maior chance de recorrência. Foi avaliado se a omissão da hormonioterapia trouxe algum impacto, comparado a quem usou a terapia endócrina. Cerca de 3200 mulheres não usaram hormonoterapia nesta amostra. 

    Após seguimento médio de 3 anos, a ausência de hormonioterapia teve PIOR sobrevida global, um risco 25% maior de morte pela omissão deste tratamento. Por outro lado, avaliando apenas aquelas pacientes que tiveram resposta patológica completa após quimioterapia neoadjuvante, a hormonioterapia parece não ter tido efeito benéfico adicional 

    Em resumo, esses dados sugerem que mesmo em casos de doença de baixa expressão de receptores hormonais , a terapia endócrina deve ser utilizada.

    DB-06

    O estudo destiny breast 06 (ou DB-06) avaliou o uso do trastuzumabe deruxtecano (T-Dxd) versus a quimioterapia de escolha do oncologista, após progressão de hormonioterapia, no câncer mama metastático hormônio positivo HER2-low e ultra-low (este último são aqueles casos com expressão muito baixa de HER2 e imunohistoquímica entre 0-1+ ). Mais de 800 pacientes foram avaliadas, sendo pouco de mais de 150 ultra-low. Na Maioria dos casos, a droga utilizada no grupo do tratamento convencional foi a capecitapina (em torno de 60%). Cerca de 90% dos casos usaram inibidores de ciclina previamente, que é o padrão atual na primeira linha. 

    Avaliando os resultados, O T-Dxd aumentou a sobrevida livre de  progressão na doença metastático neste cenário e os resultados do grupo ultra-low foram consistentes com o HER2-low. 

    Em resumo, o estudo DB-06 demonstrou importante impacto clínico do trastuzumabe deruxtecano, mesmo no grupo de muito baixa expressão de HER2 e deverá se tornar o tratamento padrão na doença metastático hormônio positiva após progressão de hormonioterapia.

    Estudo A-BRAVE

    Até o momento, temos evidência de benefício de imunoterapia no câncer de mama triplo negativo inicial apenas na neoadjuvância (pembrolizumabe – estudo Keynote-522). O estudo Alexandra/IMpassion030, utilizando outro agente (atezoluzumabe), não demonstrou benefício da imunoterapia no cenário adjuvante. Na ASCO 2024, foi apresentado o estudo A-BRAVE. Este estudo randomizou mais de 500 pacientes com câncer de mama triplo negativo inicial com o intuito de avaliar o uso do avelumabe, um agente anti-PDL1,  no cenário adjuvante (pelo menos EC-IIB) e neoadjuvante (com doença residual). O objetivo principal do estudo foi sobrevida livre de doença, que não atingiu significância (HR: 0.80, CI 0.58-1.10; p=0.170), após 3 anos. Por outro lado, a sobrevida global, que era um objetivo secundário, obteve significância estatística (HR: 0.66, CI 0.45-0.97; p=0.035), com um ganho absoluto de 8.5%. O questionamento é se esse benefício se deu possivelmente advinda dos casos com doença residual após neoadjuvância, e não do cenário adjuvante. Este estudo poderia abrir uma possibilidade do uso da droga para aqueles casos com doença residual após quimioterapia neoadjuvante que não utilizaram imunoterapia no regime, como foi comentado na discussão após a apresentação do estudo.

    Uso de Platina no Câncer de Mama Triplo Negativo

    Muito tem sido discutido sobre o impacto da platina no tratamento do Câncer de Mama inicial, especialmente na doença triplo negativa, sabidamente reconhecida como maior risco de recorrência. Estudos prévios demonstraram aumento da resposta patológica completa com a platina (acima de 50%), assim como ganho de sobrevida global (estudo multicêntrico Indiano ainda não publicado apresentado em San Antonio). A platina também foi e tem sido utilizada associada a imunoterapia (pembrolizumabe) aos moldes do estudo Keynote-522. Na ASCO 2024, mais um estudo sobre o impacto da adição da Platina a quimioterapia padrão (antracíclicos e taxanos) no câncer de mama triplo negativo foi apresentado (PEARLY trial). Neste estudo, foram incluídas pacientes na neoadjuvância e a na adjuvância também, em torno de 30% dos casos. Este estudo demonstrou um impacto significativo de sobrevida livre de eventos  com a adição de platina, cerca de 7% em ganho absoluto (HR: 0.67 CI 0.49-0.92; p=0.012). A sobrevida global não teve diferença significativa mas apresentou uma tendência de ganho (HR: 0.65 CI 0.42-1.02; p=0.057). Estes dados sugerem uma aplicabilidade da platina associada a quimioterapia neoadjuvante mas no cenário adjuvante também, após cirurgia primária.

    Dosagem do Agente anti-mulleriano na decisão de quimioterapia

    Um dos assuntos mais controversos no momento é o benefício de quimioterapia na pré-menopausa em pacientes com tumores hormônio-positivos e axila positiva assim como aquelas com  assinatura genômica de risco intermediária, utilizando oncotype  (RS: 16-25) e axila negativa. O estudo RxPonder, por exemplo, demonstrou benefício da quimioterapia adjuvante em torno de 5% na pré-menopausa (RS: 0-25), em mulheres com tumores hormônio-positivos e axila positiva (1-3 linfonodos positivos). A grande dúvida reside se esse benefício é do tratamento da quimioterapia diretamente nos tumores destas mulheres mais jovens ou secundária a supressão ovariana iatrogênica da quimioterapia. Na ASCO 2024, foi apresentado uma análise não planejada do estudo RxPonder sobre a dosagem do agente anti-mulleriano (AMH) na decisão de quimioterapia em mais de mil mulheres com menos de 55 anos no estudo. Sabe-se que um baixo nível sérico do AMH é relacionado a diminuição da reserva ovariana. 20% das pacientes desta análise  tinham AMH sérico <10. O estudo concluiu que estas pacientes NÃO tiveram benefício de quimioterapia independente da idade (HR:1.21, CI 0.60-2.43). Por outro lado, mulheres com AMH elevados tiveram benefício absoluto de 7.8% da adição de quimioterapia (HR: 0.48, CI 0.33-0.69). Ao nosso ver, a ausência de benefício da quimioterapia em pacientes com baixo AMH trazem suporte a hipótese  que no mínimo boa parte do benefício da quimioterapia nestas pacientes seja devido a supressão ovariana. O estudo NRG BR009 trará uma resposta definitiva sobre este tema. 

    Tratamento Sistêmico em 2024

    Tivemos um resumo do tratamento sistêmico em 2024, desde a doença inicial até a terapia da doença metastática. São muitas opções chegando rapidamente para o arsenal de tratamento do câncer de mama inicial. O que ficou muito claro, não só pelo que foi apresentado aqui na ASCO 2024, mas ao longo dos anos, é a necessidade de um planejamento muito adequado desde o início e isso envolve uma equipe multidisciplinar muito afinada com o objetivo central de fazer a melhor escolha para a paciente. Sem dúvidas, há geralmente mais de uma opção para seguir em um mesmo caso específico no tratamento do câncer de mama. Devemos priorizar sempre aquele caminho que trará o melhor benefício e menor toxicidade. Um exemplo muito claro disso é a terapia da doença de alto risco onde há opções disponíveis para o tratamento da doença residual após quimioterapia neoadjuvante e, portanto, a decisão por cirurgia inicial, em alguns casos, pode influenciar negativamente o resultado.

    A ASCO 2024 chegou ao fim e iremos discutir mais sobre ao longo das próximas semanas. No próximo sábado, teremos o simpósio Câncer de Mama Brasil , onde certamente será muito discutido o que foi apresentado por aqui.

    Close Menu