Muitas mulheres com câncer de mama inicial acreditam que a retirada das duas mamas é o tratamento mais eficiente contra o câncer de mama, mesmo em casos iniciais que poderiam ser tratados com cirurgia conservadora de mama (quadrantectomia).
A maioria dos mastologistas já ouviu a seguinte pergunta: NÃO SERIA MELHOR RETIRAR TUDO? A explicação para isto é complexa e deve ser compartilhada com a paciente, afinal, a escolha final sobre o tratamento depende dela.
Historicamente, o tratamento do câncer de mama começou a ser feito no final do século XIX com a mastectomia radical, desenvolvida por William Halsted.Durante muitos anos este foi o tratamento padrão do câncer de mama. Até que um cirurgião italiano, Umberto Veronesi, apresentou uma pesquisa que mostrava que o câncer de mama poderia ser tratado com cirurgias menores.Várias outras pesquisas corroboraram os resultados de Veronesi e a cirurgia conservadora passou a ser o tratamento padrão de câncer de mama inicial.
A cirurgia conservadora também é conhecida por quadrantectomia, setor de mama ou ressecção segmentar mamária. Apesar da diferença de nomes, o procedimento é o mesmo e consiste na remoção de todo o tumor, com tecido saudável ao redor (margens de segurança) e preservação do restante da glândula mamária. Posteriormente, as pacientes recebem radioterapia sobre a mama remanescente com o objetivo de prevenir recorrência da doença.
Atualmente, as chances de cura para tumores iniciais que recebam este tratamento são superiores a 98% em cinco anos. Apesar dos excelentes resultados, observa-se no mundo uma tendência de aumento de mastectomias bilaterais em casos de câncer de mama inicial. Existem muitas explicações para isto, mas dentre as principais estão a melhora dos resultados de reconstrução mamária, aumento dos testes genéticos e da sensibilidade dos exames de imagem.
Além disso, a percepção de muitas mulheres com o câncer de mama é desproporcional à incidência e a gravidade da doença. Talvez isso seja reflexo da enorme repercussão na mídia sobre o assunto.
Na maioria dos países desenvolvidos, a cirurgia bilateral está relacionada a idade jovem, melhor nível socioeconômico e maior grau de instrução. A interpretação para isso seria o maior grau de (pseudo) informação disponível para esta população, assim como maior acesso a exames genéticos e de imagem, que podem causar maior quantidade de alarmes falsos.
Mas, existe algum benefício em cirurgias maiores?
As pesquisas sobre o assunto são limitadas, pois não existem estudos clínicos sobre o assunto. Para provar que a cirurgia conservadora era segura, Umberto Veronesi avaliou 700 mulheres com câncer de mama inicial, que foram divididas aleatoriamente em dois grupos (mastectomia ou cirurgia conservadora). Isto evita seleção de pacientes e torna ambos os grupos iguais em termos de chances de cura. Porém, os estudos com cirurgias são na maioria das vezes análises de grupos de pacientes que escolheram fazer a cirurgia bilateral (coortes) comparadas com outras que não fizeram. E, nestas situações, existe mais risco de selecionar os casos melhores para um determinado grupo.
A análise superficial destes estudos mostra uma melhora de 9% na taxa de mortalidade. Porém, numa observação mais aprofundada, observa-se que as mulheres que fizeram cirurgia bilateral também tiveram menos mortes não relacionadas ao câncer de mama. Isto sugere que as mulheres com melhores condições de saúde e acesso aos recursos hospitalares foram as que fizeram mais cirurgias bilaterais. E, provavelmente, foram estes últimos fatos que fizeram que estas pacientes tivessem melhor prognóstico.
Além disso, existe um medo desproporcional em relação ao risco de câncer na mama oposta. A taxa de aparecimento da doença é de cerca de 0,3% a 0,4% ao ano para mulheres sem mutação genética ou história familiar de câncer de mama. Ou seja, o risco de um câncer na mama oposta é de 3% a 4% em 10 anos.
Outro aspecto importante é que mesmo as mulheres que retiraram as duas mamas também não estão isentas de novas doenças, afinal não é possível erradicar 100% das células mamárias, mesmo com cirurgias amplas e radicais.
Os estudos sobre cirurgias bilaterais mostraram que o risco de aparecimento de novos cânceres na outra mama é semelhante para as mulheres que fizeram a cirurgia e aquelas que não fizeram.
Para piorar, o risco de complicações é maior em cirurgias maiores. Cerca de 20% a 30% das mulheres podem apresentar desde complicações menores (seroma, contratura leve) até problemas mais graves (infecção, hematoma, contratura graves).
Outro ponto importante é que algumas pesquisas populacionais estão demonstrando que as mulheres tratadas com cirurgia conservadora e radioterapia têm maiores chances de cura do que aquelas submetidas à mastectomia sem radioterapia. O racional disto é que a radioterapia pode chegar à locais que a mastectomia não alcança. E a associação da radioterapia com a reconstrução mamária aumenta drasticamente a chance de resultados estéticos desfavoráveis.
Sendo assim, conclui-se que a maioria das mulheres com tumor de mama inicial deve sempre que possível ser tratada com a cirurgia conservadora da mama. Afinal, as chances de cura são iguais (ou pouco maiores) e os riscos de complicações e resultados estéticos desfavoráveis bem menores.
Atualmente, as cirurgias bilaterais podem ser discutidas para mulheres com tumores iniciais e risco elevado de novos tumores, tais como aquelas com mutação genética ou forte história de câncer de mama na família. Para as demais, sempre vale a pena explicar quais são os riscos envolvidos e tentar sugerir cirurgias menores.
- Dr. Guilherme Novita > São Paulo/SP – CRM-SP: 97.408
- Dr. Eduardo Millen > Rio de Janeiro/RJ – CRM-RJ: 5263960-5
- Dr. Felipe Zerwes > Porto Alegre/RS – CRM-RS: 19.262
- Dr. Francisco Pimentel Cavalcante > Fortaleza/CE – CRM-CE: 7.765
- Dr. Hélio Rubens de Oliveira Filho > Curitiba/PR – CRM-PR: 20.748
- Dr. João Henrique Penna Reis > Belo Horizonte/MG – CRM-MG: 24.791